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Vítor Vaqueiro: “Hoje, por muito que se queira negar, a situação a respeito das pessoas que não aceitamos a norma escrita oficial só se pode definir em termos de censura.” - Cabecera

Vítor Vaqueiro: “Hoje, por muito que se queira negar, a situação a respeito das pessoas que não aceitamos a norma escrita oficial só se pode definir em termos de censura.”

Vítor Vaqueiro (Vigo, 1948). É un dos mellores representantes da nosa poesía dos anos 70-80. A súa primeira obra poética é Lideiras entre a paisaxe (1979); outros poemarios seus foron Informe da gavilla (1980), Camiño de Antioquía (1982), A fraga prateada (1983)No ano 2004 so o título de Traxectorias. Obra poética (1977-2002)publicouse unha compilación da súa obra poética. Recentemente  saíu á luz o poemario Palavras a Espártaco (2015). Tamén temos que salientar a súa obra narrativa con títulos como O soño dirixido (1992), ou Os espellos do tempo (2008) Por outra banda é tamén un gran estudoso da nosa mitoloxía (Mitoloxía de Galiza, 2011).

Amigo Vítor, até que punto aquel Vigo industrial e prometedor dos anos 50 e 60 marcou ao futuro Vítor e á túa obra literaria? E ao teu pensamento? 

Dizia Georges Mounin que na sola dos nossos sapatos infantis levamos a nossa pátria linguística. Concordo com esta opinião e, com efeito, devo admitir que uma boa parte da minha obra literária narrativa está marcada pola infância. Ocorre, porém, que essa infância abala entre dous pontos: o meu Vigo natal e a Salceda de Caselas que véu nascer o meu pai, avós e toda minha família paterna. Esses dous lugares, um urbano, outro rural, são dous eixos mui presentes, respectivamente, em Os xenerais de África e Os espellos do tempo (Vigo) e em parte de O sonho (re)dirigido e totalmente em Os nomes da morte (Salceda).

portada-os-nomes-da-morteO meu pensamento, quer dizer, a minha posição ideológica, em realidade, já vinha mui marcado polas circunstâncias do fogar no que nasci. A minha família materna, de Ferrol, sofrera represálias na guerra civil —“passeados” incluídos— e eu, quase desde que tinha uso de razão, era anti-franquista. Esse ponto de vista alicerçou mais tarde, ao presenciar, por volta dos anos 50, a repressão direta da policia franquista contra os trabalhadores do setor naval —tema sugerido em vários momentos da minha narrativa e concretamente em Tarde de fútbol, relato inicial de Os xenerais de África— já que eu vivia a uns dous centos metros do estaleiro de Barreras. Depois, quando cursava Preuniversitário, o meu professor de Literatura, Xosé Luis Méndez Ferrín, aconselhou a leitura de um livro, Escolma posible, publicado por Galaxia em edição de Marino Dónega. Esse texto, a escolma do pensamento de Castelao que era possível naqueles anos da ditadura, mudou a minha visão da nação e obrigou-me pensar, por primeira vez, na minha relação com Galiza. Penso que foi, com a leitura desse volume, aos dez e sete anos, quando intui, por vez primeira, o que significava em realidade a ideia de nação. Os meus anos de universidade, em Santiago, acabaram de desenhar o meu perfil político, social e cultural.

E como xurdiu a imaxe, a fotografía no teu percorrer vital? Que supuxo, e supón, este mundo para ti?

Eu estava familiarizado com a fotografia desde novo, porque um tio meu, Domínguez Maneiro, era um bom fotógrafo, um fotógrafo original e ousado para aqueles tempos, um fotógrafo que arriscava. Foi no seu laboratório onde presenciei por primeira vez o processo fotoquímico de revelado, positivado e, em resumo de obtenção de imagens fotográficas. Foi também Maneiro quem me agasalhou, quando tinha 10 ou 12 anos com a primeira câmara fotográfica.

O exercício da fotografia supus para mim uma forma de expressão cultural, ainda que devo sinalar que, dum ponto de vista estritamente pessoal, com mais limitações que a literatura. A fotografia é devedora duns meios técnicos que não são precisos na escrita, que fica satisfeita com um simples lápis e um humilde naco de papel para desenvolver a sua função. Mesmo para quem, como mim, que desde faz anos só realiza autorretratos, as condições externas implicam subordinações que a escrita não possui. Por outra parte, dado o atraso existente no nosso país e em todo o Estado espanhol no que atingem os temas fotográficos, não resulta fácil poder publicar livros de autor, fora de encargos —que vêm mui marcados por quem os faz— ou de temas de linha documental, que não acho especialmente atrativos. 

Falarmos da poesía galega dos anos 70-80 é falarmos dunha das súas etapas cume e ademais dunha clara transición poética que ía da man dos cambios sociais. Que lembras daquel movemento poético que tanto supuxo para a nosa lírica contemporánea? 

Em realidade eu sempre fui uma pessoa com pendor a me isolar de movimentos e grupos literários, o qual não quer dizer, como bem sabem as pessoas que me conhecem, que militasse no individualismo ou na insolidariedade. As minhas amizades sempre estiveram condicionadas pola relação pessoal e não pola questão da escrita, ainda que teria de sinalar que a literatura me deu excelentes, embora escassas, amizades que sigo a conservar no dia de hoje. Provavelmente o que lembro com maior claridade, do ponto de vista pessoal, foi a posta em marcha da AELG, o I congresso de Poio no ano 1980 e os começos da revista Escrita —junto com Afonso Pexegueiro, Alberto Avendaño, Margarita Ledo e Pepe Cáccamo— a qual, infelizmente, faleceu ao cabo de dous anos por falta de generosidade, de visão cultural e de perspectiva de futuro e de cujo falecimento todas as pessoas que protagonizamos o seu nascimento somos, em diferentes proporções, culpáveis.

Erades conscientes que estabades a crear un novo elo na nosa lírica cara unha clara renovación e universalización? 

Não é fácil essa resposta, porque me estás a perguntar por ocorrências de há quase quarenta anos. Ora, há uma questão que compre considerarmos: não gostávamos do panorama da poesia galega, com forte pegada de social realismo. Deixa-me que pense na gente da minha idade, concretamente em algumas pessoas, cuja amizade se remonta décadas atrás e que vivêramos os acontecimentos do 68 em Compostela: vou escolher um par delas: Xabier Paz e Pepe Cáccamo; em certa maneira, também dum excelente leitor de poesia que, porém, nunca chegou a publicar livro nenhum, Xulio Taboada. Há que considerar que líamos a Vallejo, a Eliot, a Ory, a Cesaire, a Quasimodo, a Valente, a Pound ou a Ferlinghetti e, como compreenderás, o que estava a ocorrer na poesia galega, com uma legião de imitadores de Celso Emilio, resultava um pouco alheio a nós. O qual não quer dizer desprezo polo que outras pessoas faziam, mas constatar um diferente ponto de vista estético. Mesmo essa pegada de social-realismo é mui presente no meu primeiro livro, Lideiras entre a paisaxe, o qual implica que não era fácil desprender-se da pressão ambiental, por muito que desejássemos fugir dela.

portada-de-rituaisClaro que xa a ferriniana Con pólvora e magnolias case vos marcou o camiño, non?

Sempre se fala de Con pólvora e magnólias, cuja importância ninguém pode negar, mas sempre esquecemos duas questões: que antes desta obra aparecera Seraogna, de Alfonso Pexegueiro e que a própria Con pólvora… leva umas palavras, que funcionam como apresentação, do mesmo Pexegueiro. Portanto, falando com justiça, acho que devem considerar-se essas duas obras uma das chaves que, no ano 1976, anunciam os novos ventos da viragem do que vai ser a poesia galega a partir dos 80. A outra chave é a do contexto: a sociedade mudara e faziam-se precisas novas formas de expressão, também poética. Eu mais bem diria que Seraogna e Con pólvora e magnolias o que fazem é trabalhar como bandeirantes, como adiantadas do que se está a produzir.

Tamén esta lírica se viu fortemente axudada pola presenza de varias revistas así como de importantes certames, grupos poéticos… ao mellor algo que hoxe botamos en falta… 

Com efeito, apareceram revistas, como Dorna, ainda que eu, dum ponto de vista pessoal, acho que foi uma grande mágoa a desaparição de Escrita, da que acabamos de falar, porque o seu ponto de vista, era muito moderno, transversal, interdisciplinar, tentando derrubar a barreira entre ciência e humanidades, barreira que hoje segue a estar vigente, como se a ciência não formasse parte da cultura. E si, nasceram prêmios importantes, como o Esquio e grupos como Rompente ou Cravo fondo. Ora, hoje também existe uma enxurrada de grupos de criação poética, literária e cultural, revistas e certames. Além do dito, existe algo que daquela não existia, como é a Internet, o qual faz possível, para quem o desejar, acessar para uma informação com menor censura e um grão de celeridade inexistente há 30 ou 35 anos. Hoje existem grupos que têm páginas web, que se encontram em facebook, grupos da Terra do Deza, do Condado ou da Terra Cha. A cultura está inserida na sociedade e esta muda com o avanço do tempo.

E claro, a nosa historia literaria, dentro desta poética dos 80, adoita a clasificar a Vítor Vaqueiro naquel apartado de “poética experimental”… que dicirmos a isto? 

Mais bem a crítica situou-me, penso, no território épico e mítico. Ignoro quem foi a primeira pessoa que usou esta ideia, mas assim foram as cousas. Acho que essa noção nasceu a partir de um conjunto de feitos que se produziram no breve período que vai do outono de 1981 à primavera de 1984. Nesse espaço de dous anos e meio viram a luz Camiño de Antioquia e A fraga prateada, que tratavam a temática do mito. Com esses dous livros ganhei os prêmios Esquio e da Crítica. Como consequência da difusão e repercussão desses títulos, afortalou-se essa imagem de poeta com pendor à épica, ao mítico e à escuridade textual, facetas das que nunca me libertei, acho eu, nem me libertarei.

Se por “poética experimental” entendemos a “experimentação” e o tripado de caminhos novos, como afirmava antes, afastados de um social-realismo no que já não acreditávamos, podíamos afirmar que, com efeito, o era. Mas se queremos nos referir à ideia estrita de “poesia experimental”, quer dizer aquela que desenvolve a sua ação alicerçando no surrealismo, no automatismo, nas relações visuais e espaciais, nos signos, etc. então a minha poesia bem pouco tinha, nem tem, de experimental.

O teu debut poético foi con Lideiras entre a paisaxe… dende logo que unha obra que xa nos vai amosar claramente a futura poética de Vítor Vaqueiro, ou non?

Lideiras entre a paisaxe é devedora do seu caráter de primeira obra. Em muitos casos, ainda que há exceções, as primeiras obras poéticas são produtos feitos retroativamente. Um inteira-se um dia que alguém lhe vai editar um livro e então, a pressa, apanha um conjunto de poemas e faz, em realidade, uma antologia, porque é muito difícil ter a lucidez precisa para escrever com coerência e perspectiva unitária quando temos vinte anos; Rimbaud não aparece com frequência. A partir desse instante, o ponto de vista muda e começa a trabalhar-se com uma ideia central, um projeto para desenvolver. Por isso o primeiro livro ensina-nos muitas cousas, essencialmente o que não devemos fazer.

Em Lideiras entre a paisaxe existem, quer insinuadas, quer exprimidas algumas linhas que vão ser constantes na minha poesia: do ponto de vista da temática, as questões da opressão, da liberdade, na necessidade de emancipação, da justiça; do  ponto de vista formal, a utilização dos versos heptassílabo, hendecassílabo e alexandrino, a alternância de estruturas de verso e “prosa”, o gosto pola cita e o encavalgamento de versos.

Que diferenzas salientarías entre esta primeira obra e a última daquela época (A cámara de névoa)? 

Como se pode deduzir do que levo dito, entre Lideiras entre a paisaxe e A camara de névoa existe uma continuidade temática, mas depurada formalmente por um período de mais de 10 anos e a publicação de quatro livros. Existe também, como Xosé Maria Álvarez Cáccamo sinala no Limiar, a consolidação de um eu, manifestado com maior claridade que na obra precedente, ao tempo que se mostra com transparência um dispositivo que vai ter uma importância notável na posterior evolução da minha prática escrita: estou-me a referir á ideia da viagem e de percurso, algo que se manifestará em toda a sua amplitude no poema inacabado A fenda no horizonte e no romance Os espellos do tempo.

portada-de-traxectoriasNo 2004 a túa obra poética foi recolleitada por “Espiral Maior” so o título Traxectorias. Obra poética (1977-2002). Sentiches que esta recompilación xa era algo máis ca unha simple obra? Un recoñecemento e unha mostra para futuras xeracións? 

Quando a um se lhe oferece a possibilidade de publicar toda a obra produzida até um determinado momento, pensa-se, inevitavelmente, em termos de balanço, de feche de um ciclo. Traxectorias era o resumo de 25 anos de atividade poética, ainda que não continuada. Era também a possibilidade de dar a conhecer dous livros, um deles inconcluso, A fenda no horizonte, e outro o que era uma primeira entrega dum projeto ainda em percurso: Teoria do coñecemento, que formulava, e segue a formular, uma proposta que eu já tratara, como é a questão de um livro de poemas em prosa —se calhar em falsa prosa—. E é, finalmente, a constatação de que, como sinala o limiar, alguns poemas são “não só de conceição abjeta, mas de execução execrável”, porque o transcurso do tempo é equivalente —se queremos mover-nos num plano terráqueo —  a uma térmita gulosa que todo engole ou —de desejarmos níveis cósmicos— a um buraco preto que consome todo quanto se achega ao seu horizonte de acontecimentos. A publicação duma recompilação é também, se sabemos interpreta-la, um brilhante antídoto contra a soberba.

Recentemente acaba de ver a luz o teu último poemario -Palavras a Espártaco-. Que diferenzas cre o autor e que obxectivos poéticos acha entre esta nova poética e a da etapa anterior? 

Não penses que vejo grandes diferenças entre Palavras a Espártaco e, por pormos um caso, os poemas finais de A câmara de névoa nem esse longo poema frustrado que leva por título A fenda no horizonte. Se calhar, Palavras a Espártaco possui uma maior exigência formal, no sentido de que todo o livro, do primeiro ao derradeiro verso, está construído sobre alexandrinos. Provavelmente, também, este último livro é mais explícito no que atinge o tratamento do combate contra a injustiça, mais transparente. Ora, acho uma diferença, que não sei até que ponto se manifesta na escrita, no que se refere ao meu estado de ânimo ou, se preferes, ao vetor que empurra a redação do livro. Esse vetor é a ira, mesmo as vezes o ódio, contra as pessoas e instituições que fazem possível os suicídios de seres sem intervirem nem mudarem as suas políticas.

Por certo que esta obra veu acompañada da polémica normativa… Até que punto aínda hoxe o noso idioma e a nosa administración lingüística non foron capaces de deixar de antepoñer a forma linguística á calidade literaria? 

Não é que a administração linguística não fosse quem de deixar de antepor, senão que não desejou tal cousa. Em realidade, ainda que se queira encobrir a verdade, a polêmica normativa tem um forte caráter ideológico e político. Existe uma posição por parte do poder que poderíamos qualificar como estadual, que se resome em: “esta é a normativa e há que cumpri-la” que, no fundo, é muito semelhante à que hoje existe no Estado a respeito de Catalunya: “esta é a Constituição e há que cumpri-la”. Outro possível ponto de vista, mais democrático e menos prepotente, poderia ser: “bom, existe um problema, existem diferentes pontos de vista a respeito disto; vamos sentar e falar”. Convém não esquecer que a norma atual tem os seus alicerces na ditadura e é orientada por uma pessoa, Constantino García, que nem é galego, nem vivera na Galiza, nem tinha nenhuma publicação em galego. São justamente as circunstâncias derivadas duma situação de ditadura as que possibilitam o acesso à direção da política linguística a Garcia e afastam Carvalho Calero, que, comparado com o asturiano, é um gigante no conhecimento da Galiza, da sua língua e cultura, mas que tinha o pequeno (hehe) problema de ter sido encarcerado e sofrido represálias polo franquismo. E hoje, por muito que se queira negar, a situação a respeito das pessoas que não aceitamos a norma escrita oficial só se pode definir em termos de censura. Uma situação como a que se deu no prêmio Victoriano Taibo seria intolerável dentro da cultura espanhola, francesa ou alemã. Que alguém merecedor dum prêmio seja despossuído do mesmo pola grafia com que está escrito é algo que teria de repugnar uma mente com estrutura minimamente democrática. E a prova mais evidente de que existe uma posição de criar pejas à relação com a língua e a cultura portuguesa é que, a dia de hoje, no mundo da informação e a comunicação, na Galiza não é possível apanhar a TV portuguesa se uma não está filiado a uma plataforma digital e é muito difícil acessar a obras literárias ou científicas escritas em português. Em resumo, acho que esta norma é a que caberia esperar do “Estado das autonomias”

Que ocorreu con aquel proxectado longo poema titulado “A fenda do horizonte”? 

Não ia ser um poema, mas um livro constituído por um único poema duns 1.000 versos que se dividiria em três cantos, de extensão semelhante. Aconteceu que, quando terminei o primeiro canto, cuja longitude era de 350 versos, não fui quem de começar o segundo, embora ter feito o esquema do mesmo e saber, com total clareza, o que queria dizer. Tentei durante vários dias, que mudaram semanas e, mais tarde meses, sem consegui-lo. Pensando que a possibilidade de escrever poesia acabara para mim, dirigi o meu caminho cara a prosa. E, com efeito, a poesia desapareceu da minha perspectiva vital durante onze anos.

E daquela entremos no Vítor Vaqueiro narrador… Por que este cambio de xénero literario? Que achaches no narrativo que ao mellor xa non che fornecía o verso?

Penso que a resposta anterior contesta em parte o que me formulas, já que a minha olhada cara o mundo narrativo véu dada por uma impossibilidade poética e não por uma decisão espontânea nem premeditada. No que atinge a segunda direi que o narrativo fornece possibilidades que o poético não tem, da mesma maneira que o poético outorga hipóteses das que carece o narrativo. São dous meios diferentes, um mais oblíquo, outro mais direto. Provavelmente o narrativo permitiu-me aprofundar com uma maior extensão nos aspetos autobiográficos da infância e adolescência, e na definição literária quer de Vigo, quer de Ferreira do Condado.

autorretrato-1E a túa primeira obra narrativa foi O soño dirixido, obra que curiosamente case dúas décadas despois volveu a coller vida, aumentado, en O soño (re)dirixido… Tan pouco mudou a nosa sociedade, ou tan lentamente, que tras este espazo de tempo unha obra literaria siga a ser actual? 

Penso que O soño dirixido fala de personagens e temáticas até certo ponto universais; personagens: Atila, Pardo de Cela, algum servente dum faraó egípcio, Moisés perante o Mar Vermelho; temáticas: as questões eternamente minhas e eternamente presentes no ser humano: a Morte e o Tempo, a Justiça, a Liberdade. No que atinge as temáticas que venho de enunciar, é óbvio que possuem entidade suficiente para suportarem o percurso de vinte anos, de duzentos e, como algum caso que sinalo, de dous mil. No que se refere à questão estética, vinte anos —como nos lembra o tango— não é um período significativo na literatura. Portanto se aqueles relatos que compunham O soño dirixido possuíam entidade própria e podiam defender-se com solvência —circunstância que desconheço— também o poderão fazer os que entram a formar parte da reedição. Por outra parte, acho eu, na literatura galega não apareceu, nos últimos vinte anos, nenhuma obra que alterasse o paradigma vigente, nenhum bosão de Higgs literário que nos obrigasse a reconsiderar os caminhos sulcados. E —sem ser, nem de longe, um especialista na matéria— acredito que isso que não ocorreu na literatura galega, tampouco aconteceu na espanhola, a inglesa ou a alemã. As mudanças de paradigma, de qualquer paradigma, imitam a frequência de aparição do cometa Halley, que atravessa o nosso céu cada 76 anos.

Poderiamos dicir que Os espellos do tempo é a túa obra máis existencialista, especialmente no tratamento dun tema bastante presente na túa obra como é a morte?

É certo que Os espellos do tempo estabelece uma reflexão sobre a questão da morte, o mesmo que o faz sobre outros âmbitos como são a infância e a memória. Mas, essencialmente, o livro tenta agir sobre outros eixos: o primeiro é o que uma conhecida teórica da comunicação, Gaye Tuchman, tem sinalado: a notícia constrói-se, da mesma maneira que se constrói a realidade o qual, até certo ponto, tem a ver com ideias procedentes do mundo da Física que postulam que quem observa influi sobre o que é observado. O segundo eixo atinge ideias mui presentes na sociedade atual, como são as de simulacro e fragmentação, verdade e verossimilhança, texto e fotografia. Não há dúvida que Os espellos do tempo procede em grande medida da minha prática fotográfica, dos meus anos de escrita sobre temas fotográficos nos que haveria de incluir a minha própria tese de doutoramento, bem como da docência da fotografia, aspecto que fica sublinhado no livro com vários apontamentos: por uma parte com a inclusão dum álbum fotográfico ao final do texto; por outra, pola extensa coleção de citações, que constitui uma homenagem a uma pessoa que tem refletido com esperteza na fotografia, Susan Sontag que, pola sua volta, homenageia um teórico da fotografia, Walter Benjamin, apaixonado da citação; tampouco não há que desbotar todo o conjunto de referências fotográficas que se espalham ao longo de todo o texto. Em resumo, o livro está constituído como se constitui uma parte da obra fotográfica contemporânea, onde coexistem texto e imagem; onde se falsificam, mediante Photoshop, imagens (um grande número de fotografias do álbum final estão mudadas digitalmente); onde se confundem os dous “eus” que protagonizam a história; onde se trata de fazer refletir sobre a frase de Lacan que aponta a que a realidade tem estrutura de ficção.

E tamén xa no século pasado achamos ao Vítor Vaqueiro ensaísta, mergullado no mundo da nosa mitoloxía, na nosa maxia… algo que continuou no presente século. Até que punto esta temática figurou na túa obra literaria creativa?

portada-de-mitoloxia-de-galizaTenho dito que o mundo da lenda, do conto maravilhoso ou do mito constituíram, para mim, um elemento decisivo desde que, o dia do meu oitavo aniversário, me agasalharam com um exemplar de as Mil e uma noites. Esse pendor de infância foi-se misturando, segundo passavam os anos, com a mitologia tradicional galega que aprendi em Salceda de Caselas, a minha particular Ferreira do Condado. Ali entendi o medo à cobra e a sua capacidade dual, escutei falar de mouros e mesmo, com mui poucos anos, visitei a cadeira do rei mouro, que se encontrava, e espero que siga ali, na freguesia de Entenza; ali ouvi, por primeira vez, ao carão da lareira e do escano, relatos arrepiantes sobre a Companha. Isso, em maior ou menor medida, se acha em relatos como “Presenza dos ofídios” (a cobra), “A noite do solstício” (Antioquia e Santa Marinha de Augasantas), “O poema e o lume” (o mito jacobeu), “Reflexions dun zoólogo en dia feriado” (a Companha); no romance Os nomes da morte (mouras, Companha, sacauntos, pastequeiros, donas de pés de cabra) e mesmo na poesia, como em A fraga prateada (cidades mergulhadas), por sinalar apenas uns poucos exemplos, ainda que estou certo que uma leitura sistemática deitaria muitos mais exemplos que os que venho de comentar. Seja como for, é verdade que a matéria mítico-lendária constitui um elemento importante no meu processo de construção literária.

Non conviría profundizar ben máis neste aspecto noso como pobo polo seu carácter identitario? 

Com efeito, eu penso que um erro grave que cometem os movimentos de natureza política emancipatória que agem no nosso país é porem mui por diante, de maneira quase única, as questões laboral-econômicas, esquecendo vetores de tipo identitário. Concretizarei o que venho de dizer: não estou a afirmar que não haja que agir no território da economia e mais da mudança dos aspetos sociais e laborais, não. Esses são âmbitos fundamentais, mas o alicerce identitário é também decisivo e não merece ser relegado, como é, a um papel de simples enfeite ou adereço. Penso que, no processo de emancipação nacional e social, age uma diversidade de fatores: uns são de natureza, por assim dizer, objetiva, quantificáveis numericamente, e outros de caráter subjetivo ou, dito com outras palavras, uns dirigem-se à razão, à inteligência e outros aos sentimentos, à parte não digamos irracional, mas sim arracional, ou não racional, ou não exatamente racional. Questões como a identidade, a cultura, a língua, o desporte, o folclore, a história são fundamentais na tomada de consciência nacional e social. Ora, eu penso —ainda que posso equivocar-me— que se segue a pensar o dispositivo de emancipação nacional como um processo, por uma parte, por dizê-lo em palavras do clássico, “determinado em última instância pola economia, polas relações de produção” e, por outra, vassalo do que se poderia chamar a necessidade hegemônica da classe operária, subordinando outras subjetividades políticas. Este pensamento leva a um esquema mecanicista segundo o qual o troco da “infraestrutura” econômica vai mudar a “superestrutura” ideológica e nesse esquema mesmo a defensa do identitário considera-se, às vezes, culturalista, elitista ou folclórico. Acho que as experiências históricas que conhecemos não apoiam este discurso.

O dito não implica, de maneira nenhuma, que se tenha de admitir a “identidade” galega a cegas e em bloco. O que nomeamos “identidade galega” está, pola sua vez, composta por numerosas identidades. Para além de identidades individuais, existem identidades coletivas que se constroem com elementos heterogêneos. Castelao é evidente defensor duma identidade galega, mas Risco também o é. Ora, nós devemos entender o que existe de visão retardatária, reacionária, em Risco, com posições que mesmo se acham à beira do racismo, com os aspetos de avanço, democráticos, que achamos na obra e na prática de Castelao. E isto que sinalamos no caso de Risco e Castelao tem vigência para muitos outros casos da nossa cultura e para muitas outras situações que atinjam a identidade nacional, na Galiza ou em qualquer outro território. E é o nosso labor irmos diferenciando e definindo as questões de identidade, algo que, como digo, os movimentos emancipadores praticamente, no pior dos casos, desprezam ou, no melhor, ignoram. 

Xa antes tocamos algo o tema, mais non consideras que a estas alturas aquela loita entre reintegracionismo e isolacionismo debese estar máis que superada e moito máis ao falarmos de arte literaria? 

Eu penso que na questão da norma escrita segue a existir um conflito não resolvido. Um conflito que se achava latente há já cem anos e que se mostrou de maneira virulenta e agressiva, por parte de todas as frações implicadas, por volta dos anos 80 do passado século. O conflito agora perdeu visibilidade, ainda que isso não quer dizer que não continue. Penso que as pessoas que defendemos a ideia duma volta do galego —nomeadamente o escrito— às suas origens estamos a defender uma causa justa que tenta conectar o galego com o seu passado e que não concorda com o feito de que se use para o galego a grafia do espanhol e não a que durante quase cinco séculos foi a nossa —e aqui estamos de novo perante uma questão identitária—. Uma ideia que procura impedir o processo de dialetalização que está a sofrer o galego e que combate por romper a dependência a respeito do espanhol. Esta opção parte duma noção que tem três séculos de antiguidade, recuando até o padre Feijó, que parte do conceito de serem galego e português uma mesma língua, do mesmo modo que o espanhol é uma mesma língua, ainda que com variedades como são o “cántabro”, o “andaluz” e o “mexicano”, da mesma maneira que o inglês diferencia entre “American” e “British” e existem diferenças entre o “francês”, o “quebecois” e o “martinicano”. Á fim, esta é também uma luta democrática, contra a censura e a imposição, porque, verdadeiramente, negar-se a publicar um texto ou premiar um livro porque a grafia não coincide com a chamada oficial deveria fazer enrubescer a qualquer pessoa com uma mínima sensibilidade democrática. Em resumo, eu diria que os conflitos resolvem-se de duas maneiras: uma, pola via violenta, que pode ser sanguenta ou não, e outra pola via da negociação, o diálogo, o pacto, o convencimento. O ILG-RAG e o Partido Popular optaram claramente pola primeira opção: negar o problema e obrigar a acatar a lei, uma filosofia que tem como fundo a intolerância. Porque aqui já não se trata de debater uma norma ou outra, mas de não esganar e enviar para o gueto as pessoas discrepantes.

Perante esta situação, está a aparecer uma novidade: pessoas com uma obra escrita sólida, alicerçada em anos, às vezes com prêmios notáveis, estão, sem estrondo nem espaventos,  a abandonar a norma oficial, com o convencimento profundo de que o conjunto ILG-RAG há que o “deixar por impossível”. O que temos que nos perguntar é se uma cultura acossada como a galega, na que todos os esforços são pouco, na que não sobra ninguém, pode se permitir o luxo de prescindir, de marginar, autoras como Teresa Moure ou Verónica Martínez ou autores como Sechu Sende. E nesse sentido também devemos admitir que o papel que jogam a maior parte das editoras galegas é deplorável. Por fortuna, começam a existir editoras que consideram só os critérios de qualidade, esquecendo a norma no que o texto está escrito.

autorretrato-2Do meu ponto de vista, e para terminar, a norma que defendem ILG-RAG jamais vai triunfar. Baseio-me em vários feitos: um: se observamos o panorama do que estamos a falar, olhamos o que acabo de dizer: pessoas com obra sólida e assentada durante décadas, publicando nas melhores editoras do país, optam por deixar essa posição de privilégio e lutar polo que acreditam, independentemente dos custos derivados da escolha; dous: notáveis figuras da nossa cultura, seguidoras da norma oficial, opinam que galego e português são a mesma língua e que, como consequência, a normativa oficial é discutível ou inapropriada; entre elas, Maria Xosé Queizán, Suso de Toro, Agustin Fernández Paz, Xavier Alcalá, Berta Cáccamo, Pilar Garcia Negro, Neira Vilas, Encarna Otero ou Bieito Iglesias por pôr só uns poucos exemplos; três: se houvesse liberdade normativa, sem pejas, muitas dessas pessoas adotariam o padrão do Acordo Ortográfico, ao verem que dum mercado potencial de 3 milhões de pessoas, passariam a um de 270 milhões, com o conseguinte prestigio para a nossa cultura, derivado da sua internacionalização; quatro: começam a abrolhar publicações feitas por gentes novas, revistas de poesia ou de imagem que, de maneira natural, não obedecem a norma oficial; hoje mesmo, dia 24 de novembro de 2015, apareceu a última: uma revista de fotografia (http://caleidoscopica.gal/) que constitui uma prova do que digo; cinco (e talvez o argumento mais importante): é óbvio que, no horizonte, a meio prazo só existem duas hipóteses para o galego: a desaparição do pais que o viu nascer há mil anos ou a instalação como língua normalizada e nacional. Se estarmos no primeiro caso, não se precisará norma nenhuma, porque o único idioma será o espanhol; se estarmos perante a segunda hipótese isso quer dizer que as forças que lutam contra a assimilação conseguiram levar a água para a sua canle e essas forças, de maneira esmagadora, deitam a sua escolha para a convergência, mais ou menos intensa, com uma normativa que nos projete no mundo.


E claro, para rematar, imos aproveitar este conflito para che preguntar polas túas consideracións verbo da actual política lingüística…
 

Quando me falas da atual política linguística entendo que se refere à política linguística oficial, quer dizer, a que leva a cabo o governo galego. Considero a pergunta não ter muito mistério, dado que esta política a desenvolve um partido, o PP, que governou Galiza durante 28 dos 34 anos que transcorreram das primeiras eleições de 1981. Devemos partir da ideia de o Partido Popular não acreditar nem sequer na autonomia, quanto mais no nosso idioma. Lembremos que o seu presidente de honra até há pouco, Fraga Iribarne, chegou a dizer que “solo faltaria que en Galicia hubiese una Carallalitat”. A partir dessa ideia podemos imaginar qual vai ser o tratamento que o governo galego outorgue à nossa língua, na que só acredita concedendo-lhe um papel submisso a respeito do espanhol. Só uma prova do que digo: o lamentável idioma falado polo presidente da Galiza, pola máxima autoridade política do país Núñez Feijoo, depois de doze anos de prática política institucional. Desejaria esclarecer o que acabo de dizer: ainda que não seja possível afirmar com clareza que o desalojo do PP das instituições galegas implicar a recuperação do galego, sim, penso eu, que se pode dizer que a continuidade do Partido Popular á frente da Junta vai colaborar com eficácia ao devalo da nossa língua. 

Por: Carlos Loureiro Rodríguez
Publicado o 7 de Decembro do 2015 | 8:03 p.m.

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